O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta quinta-feira (30) a
constitucionalidade do ensino domiciliar no Brasil. Desde 2015, o tema aguarda
uma determinação da Corte. A disputa coloca em lados opostos pais que
desejam educar seus lhos
em casa e o Poder Público que defende a obrigatoriedade da matrícula e a frequência
escolar de crianças e adolescentes. O relator do
caso é o ministro Luís Roberto Barroso.
De acordo com Associação Nacional de
Educação Domiciliar (Aned), o número de
famílias que optam pela educação em casa,
prática conhecida como homeschooling, tem
crescido no Brasil. Em 2018 chegou a 7,5 mil
famílias, mais que o dobro das 3,2 mil famílias
identificadas
em 2016. A estimativa é que 15 mil crianças recebam educação
domiciliar no país atualmente.
O julgamento no Supremo deve definir
um entendimento único para todos os
casos desse tipo que tramitam na Justiça brasileira, estabelecendo o que o
tribunal chama de tese de repercussão geral.
O caso que será julgado em plenário e servirá de parâmetro para os demais foi
levado ao Supremo pelo microempresário Moisés Dias e sua mulher, Neridiana
Dias. Em 2011, o casal decidiu tirar a filha
de 11 anos da escola pública em que
estudava no município de Canela (RS), a aproximadamente 110 km de Porto
Alegre, e passar a educá-la por conta própria.
Eles alegaram que a metodologia da escola municipal não era adequada por
misturar, na mesma sala, alunos de diferentes séries e idades, fugindo do que
consideravam um “critério ideal de sociabilidade”. O casal disse que queria
afastar sua lha
de uma educação sexual antecipada por influência
do convívio
com colegas mais velhos.
A família argumenta ainda que, por ser cristã, acredita no criacionismo – crença
segundo a qual o homem foi criado por Deus à sua semelhança – e por isso “não
aceita viável ou crível que os homens tenham evoluído de um macaco, como
insiste a Teoria Evolucionista [de Charles Darwin]”, que é ensinada na escola.
Em resposta, a família recebeu um comunicado da Secretaria de Educação de
Canela ordenando a “imediata matrícula” da menina em uma escola. O Conselho
Municipal de Educação também deu parecer contra o ensino domiciliar, “por
não se encontrar regulamentado no Brasil”.
O casal recorreu à Justiça, mas teve negado um mandado de segurança em
primeira e segunda instâncias. Em sua sentença, o juiz Franklin de Oliveira Neto,
titular da Comarca de Canela, escreveu que a escola é “ambiente de
socialização essencial” e que privar uma criança do contato com as demais
prejudica sua capacidade de convívio.
“O mundo não é feito de iguais”, escreveu o juiz. “Uma criança que venha a ser
privada desse contato possivelmente terá dificuldades
de aceitar o que lhe é diferente. Não terá tolerância com pensamentos e condutas distintos dos seus”.
Para a Advocacia-Geral da União (AGU), as normas brasileiras estabelecem que
a educação deve ser oferecida de forma gratuita e obrigatória pelo Poder
Público.
“É muito importante destacar que a escola possibilita um aprendizado muito
mais amplo que aquele que poderia ser proporcionado pelos pais, no âmbito
domiciliar, por maiores que sejam os esforços envidados pela família. Isso
porque ela prepara o indivíduo para situações com as quais inevitavelmente
haverá de conviver fora do seio familiar, além de qualificá-lo
para o trabalho”,
diz a AGU.
Para a instituição, nenhum núcleo familiar será capaz de propiciar à criança ou
ao adolescente o convívio com tamanha diversidade cultural, como é próprio
dos ambientes escolares. "Sendo assim. a escola é indispensável para o pleno
exercício da cidadania”, acrescenta.
De acordo com a Procuradoria-Geral da República, a educação familiar não
encontra amparo na Constituição. “A utilização de instrumentos e métodos de
ensino domiciliar para crianças e adolescentes em idade escolar, em
substituição à educação em estabelecimentos escolares, por opção dos pais ou
responsáveis, não encontra fundamento próprio na Constituição Federal".
Há oito anos, o Conselho Nacional de Educação (CNE) emitiu um parecer
orientando que as crianças e os adolescentes sejam matriculados em escolas
devidamente autorizadas. O CNE também entende que a legislação vigente
enfatiza “a importância da troca de experiências, do exercício da tolerância
recíproca, não sob o controle dos pais, mas no convívio das salas de aula, dos
corredores escolares, dos espaços de recreio, nas excursões em grupo fora da
escola, na organização de atividades esportivas, literárias ou de sociabilidade,
que demandam mais que os irmãos apenas, para que reproduzam a sociedade,
onde a cidadania será exercida”.
Na avaliação das famílias favoráveis ao homeschooling, a educação domiciliar
garante o direito à dignidade e ao respeito, assegurando uma educação mais
individualizada e, portanto, mais efetiva.
“Mesmo nas melhores escolas, a educação necessariamente é provida de forma
massificada,
sem atentar para as necessidades especícas
de cada criança e sem
prover a elas as técnicas, os instrumentos e as metodologias do ensino aprendizagem
mais adequadas e qualificadas
ao tempo presente”, diz a Aned.
“Estamos buscando a autonomia educacional da família, não somos antiescola,
não estamos lutando contra escola, apenas somos a família buscando uma nova
opção que, no nosso entender, é melhor para o nosso lho”,
diz o presidente da
Aned, Rick Dias.
Ele conta que tirou os lhos
da escola há oito anos, quando a mais velha tinha
12 anos e o mais novo, 9. Hoje, a mais velha cursa relações internacionais em
uma universidade particular. “Não cremos que o Estado deva definir
como
devemos educar nossos filhos”.
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