A história da região é contada pelos guias mirins, a exemplo de Mateus Moura de Carvalho, na Fundação Casa Grande, em Nova Olinda.FOTO: MELQUÍADES JÚNIOR |
Existe muito Cariri além de Juazeiro do Norte e Crato, e não falta o que conhecer. Parece que quanto menos urbano, mais sertão. E aí ganham destaque as pequenas cidades deste lindo pedaço de Ceará. Algumas vezes passei por Nova Olinda, mas de uma última tive a oportunidade de pousar por lá, sair a pé. Um lugar onde se hospedar é ficar na casa dos outros.
Cidade jovem, cultural e cheia de vocação empreendedora, Nova Olinda (520 km distante de Fortaleza) fica em cima da Chapada do Araripe. O clima serrano já é convidativo para saborear um cuscuz no restaurante ou um café no batente da casa de um mestre da cultura.
Mas se o ritmo é outro, mais lento, vamos devagar, primeiro, deixar a bagagem na casa de dona Toinha Maropo, uma das 12 residências familiares preparadas para hospedar o visitante
Um quarto completo me espera. Já fiquei em alguns dos mais simples hostels da América do Sul, mas confesso que nenhuma sensação foi mais familiar do que sair do quarto, ouvir um baticum de louça lavada na pia, receber o bom-dia de dona Toinha, sentar à mesa da cozinha enquanto ela serve o café, com a TV ligada no Bom Dia Brasil.
Dona Toinha Maropo é uma das anfitriãs, que acolheu o repórter em sua casaFOTO: MELQUÍADES JÚNIOR |
E se eu tinha medo de me sentir estranho por estar na casa dos outros (sendo um outro que nunca vi), a mulher não deixa. Abre um sorriso enquanto pergunta se quer uma tapioca. Por favor! Coloca a farinha de mandioca na panela, enquanto comenta a notícia do jornal. Deposita o queijo com a tapioca e volta à mesa, com o mesmo sorriso. Antes que pareça que foi apenas simpatia de boas vindas, será assim nos três dias seguintes.
Um cheiro de casa, de louça lavada, o barulho da rua, com a porta aberta, deixando o sol entrar corredor adentro. Alguém bate palma lá fora, vendendo verdura.
São pelo menos 12 famílias fazendo este modelo de hospedagem em Nova Olinda, todas sobre o crivo da Fundação Casa Grande, a maior e mais importante instituição social e cultural do município. Basta dizer que são das mães cujos filhos são atendidos pela Fundação.
Cada hospedaria familiar tem uma plaquinha de cerâmica na frente de casa. Este modelo existe há 17 anos no lugar e tornou-se referência na região.
Toinha lembra, com orgulho, que até os atores da Globo fizeram estadia por lá. "A atriz Mariana Ximenes passou mais de uma semana, quando estavam gravando novela", conta. São, no total 70 leitos familiares, e se houver dúvida de ocupação, não há mais reservas para o São João Cultural da Casa Grande. A partir de 19 de junho, três dias de quadrilhas e folguedos.
A Fundação Casa Grande já conquistou diversos prêmios nacionais pela atuação em educação, cultura e empreendedorismo social. As crianças têm aulas e oficinas de música, comunicação, e uma das principais ações empreendedoras e profissionalizantes é justamente o turismo.
Tem desde o guia mirim conduzindo pelas instalações do Memorial Homem Kariri aos passeios em trilhas pelas beiradas da serra (rapel, trekking, banhos em lagos).
Por trás da construção antiga do prédio com pintura azul estão guardados grandes acervos da cultura do povo caririenseFOTO: MELQUÍADES JÚNIOR |
O Memorial, uma das primeiras construções da região, é tombado pelo Instituto Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A história dos primeiros habitantes está lá, lugar a duas quadras da casa de dona Toinha, esta que fica logo em frente à oficina de ninguém menos que seu Espedito Seleiro, mestre do artesanato em couro, feito um dos seis"museus orgânicos" da cidade – os outros são Museu Casa de Antônio Geremias (sobre a história política), Casa do Mestre Antônio Luiz (reisado de caretas), Museu Oficina Mestra Françoí (inventor) e, em breve será inaugurado o Museu Bacamarteiro da Paz, da Mestre Nena.
"Você vai almoçar em casa?". É dona Toinha, já se organizando para atender no restante do dia. Porque na hospedagem familiar tem pacotes que contam apenas com café da manhã e outro que já inclui almoço e jantar. Depois aventurar-se pela Serra, chegar à noite, tomar um banho e descer para a cozinha para jantar tem lá suas vantagens mesmo para uma refeição simples.
Espedito Seleiro é o mestre do couro de Nova Olinda.FOTO: MELQUÍADES JÚNIOR |
Sozinho ou em turma, a Fundação Casa Grande oferece condução em passeios de até 15 pessoas. "Almoço, hoje, não, dona Toinha, porque hoje eu vou a Assaré, ficar a de manhã por lá, dar uma volta no mercado público". Provar da linguiça caseira com tapioca da dona Zenilda, outra mestre da cultura, mais de 80 anos vividos de sertão. Lá é terra do maior poeta, vale ganhar algumas horas visitando oMemorial Patativa do Assaré.
Além de seguir roteiros em Nova Olinda é possível dar uma esticada em Assaré (46km distante). Foi o que fiz, mas se pode esticar perna só em Nova Olinda: os sítios arqueológicos e paleontológicos do Geopark Araripe oferecem diversas trilhas.
O turismo comunitário em Nova Olinda permitiu uma viagem agradável. Ficou a vontade de voltar e seguir o roteiro gastronômico: é oferecido café da manhã nas casas de farinha. O rancho da Comunidade Zabelê fica a 15 minutos de carro. A culinária típica inclui o mugunzá no Sítio Pau Preto. E assim, no sopé da serra, a gente pode ir digerindo pedaços de sertão, literalmente. É só voltar ao Cariri.
Fonte DN
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