Representantes de entidades jurídicas no País ensaiam um movimento nacional contra o texto que deve ser votado na Câmara dos Deputados sobre abuso de autoridade. Na avaliação do Ministério Público Federal (MPF) e da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), o projeto, que tramita no Congresso, abre possibilidade para perseguição do trabalho de juízes e procuradores.
O movimento chegou ao Ceará. A Associação Cearense de Magistrados (ACM) e a Associação Cearense do Ministério Público (ACMP) afirmam ter iniciado um corpo a corpo com os deputados federais com o objetivo de "sensibilizar" os representantes do Estado no Legislativo a ponto de evitar que o tema entre na pauta ou que haja mudanças no texto que deixou o Senado e voltou à Câmara.
Presidente da ACM, o juiz Ricardo Alexandre Costa diz que o projeto que altera a atual legislação foi inserido em uma iniciativa popular que deveria endurecer a pena para corruptos, mas que foi "deturpada" para "intimidar os agentes públicos". De acordo com o magistrado, não há necessidade de outra lei, já que a Constituição atual prevê punição para irregularidades tratadas no projeto.
"A ideia inicial era endurecer a punição para corruptos, mas na verdade acabou trazendo punição a quem combate a corrupção. Um retrocesso, indo na contramão daquilo que foi pensado", alega, por sua vez, o presidente da ACMP, o promotor de Justiça Aureliano Rebouças Júnior.
A crítica tenta resgatar o projeto "Dez Medidas Contra a Corrupção", de iniciativa popular, coordenada pelo MPF, que visava combater a "corrupção e a impunidade". O texto, depois que chegou à Câmara, recebeu ajustes de deputados federais e ganhou capítulo que prevê regras mais duras para irregularidades de procuradores e juízes. O material, aprovado na Câmara, foi ao Senado. Lá, também recebeu modificações e retornou à Câmara - como prevê a Constituição.
Aureliano explica que o novo documento coloca em risco a liberdade dos agentes públicos no trabalho de combate à corrupção, como numa investigação como a Operação Lava Jato. O promotor exemplifica episódios como "declarações à imprensa" ou "acusações de motivação política" como "expressões abertas que abrem margem a perseguições" de investigadores.
Apoio
As entidades locais afirmam que têm buscado interlocução com parlamentares da bancada cearense para dialogar e conseguir apoio às demandas para as categorias. "Na prática, a gente vai a Brasília semana sim, semana não. Temos pautas que estão hoje na crista, como a reforma da Previdência e a lei de abuso de autoridade. Os parlamentares compreendem os argumentos, prometem que vão refletir melhor", diz o presidente da ACM, Ricardo Alexandre.
Aureliano Rebouças afirma que "os parlamentares têm sido muito receptivos quanto às argumentações". Um dos pontos levados aos parlamentares é o momento em que o tema foi votado no Senado, em meio ao escândalo das gravações vazadas pelo site The Intercept atribuídas ao ex-juiz Sergio Moro e ao coordenador da força-tarefa da Lava Jato, procurador Deltan Dallagnol. "Os parlamentares têm sido muito sensíveis inclusive no contexto, da forma como foi inserida", disse o promotor.
Legislação
Lei de dezembro de 1965 prevê irregularidades de agentes públicos como procuradores e juízes. Legislação vigente considera abuso de autoridade qualquer atentado que atinja liberdade de locomoção, inviolabilidade do domicílio, sigilo da correspondência, liberdade de consciência e de crença, livre exercício do culto religioso, liberdade de associação, direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto, entre outros.
A norma prevê como sanção advertência, repreensão, suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta dias, com perda de vencimentos e vantagens, destituição de função e demissão. Há também a previsão do pagamento de multa.
Assunto não é pauta na bancada cearense
A agenda que se desenha nacionalmente e que ganha força no Ceará entre as associações de representantes de procuradores e magistrados ainda não chegou a todos os deputados do Estado.
Quatro parlamentares consultados pelo Diário do Nordeste alegaram ainda não estar discutindo o assunto.
Capitão Wagner (Pros) acha que não há "clima" para a apreciação da matéria no momento, já que há outras pautas de maior prioridade na fila, como a própria reforma da Previdência.
Os deputados André Figueiredo (PDT) e Aníbal Gomes (DEM) dizem que o assunto não é pauta entre eles. "Não conversamos sobre esse tema", disse Aníbal. "Ainda não tem previsão certa", diz André sobre a previsão de votação.
Coordenador da bancada do Ceará em Brasília, que inclui os 22 deputados federais e os três senadores, o deputado federal Domingos Neto (PSD) disse que o tema não entrou na pauta do grupo. "Não tratamos isso na bancada", afirmou ao ser questionado se o projeto estava sendo discutido pelos representantes cearenses no Congresso Nacional.
Nenhum dos parlamentares consultados pela reportagem disse ter sido procurado pela Associação Cearense dos Magistrados (ACM) e a Associação Cearense do Ministério Público (ACMP) para debater o projeto que tramita na Câmara.
Mesmo sem ser a prioridade entre os cearenses no retorno dos trabalhos do segundo semestre após o recesso, o tema pode ser colocado na pauta em poucas semanas.
O Diário do Nordeste apurou que há um movimento de lideranças nos bastidores para votar a matéria ainda neste ano. A possibilidade é que o projeto entre na pauta em setembro.
Fonte DN
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