A
construção de um parque de vaquejada particular com a utilização de servidores
públicos e de máquinas pertencentes à Prefeitura levou o gestor de um município
da zona norte do Ceará a ser processado na Justiça por improbidade
administrativa. Somente este prefeito responde a 7 processos por improbidade
administrativa em menos de três anos de mandato - mas não é o único no Estado.
À Câmara Municipal, o gestor confessou que autorizou a realização do serviço
porque, de acordo com ele, esta prática era algo “natural”, que já tinha sido
adotada em outros empreendimentos particulares da cidade. Esse é apenas um dos
246 processos de improbidade administrativa que tramitam na Justiça do Estado.
Dos 184 prefeitos do Ceará, 96 respondem a processos por esses atos, o que
representa 52% do total de eleitos em 2016. O levantamento foi feito pelo
Sistema Verdes Mares com base em dados do Ministério Público do Estado do Ceará
e da Justiça estadual.
Em outro
município, o gestor foi condenado na Justiça Federal por improbidade
administrativa. A sentença determinou ao chefe do Poder Executivo “a perda da
função pública e a suspensão dos direitos políticos por cinco anos”, dentre
outras medidas. Mesmo depois de ter condenação em trânsito em julgado, o
prefeito continua no exercício do cargo, fato que contraria a jurisprudência
dos Tribunais Superiores. O MP já entrou com ação para que a sentença seja
cumprida.
O Diário do
Nordeste opta por não citar os nomes dos envolvidos nos casos aqui relatados em
virtude de os processos não terem sido julgados pela Justiça. A reportagem
tentou ouvir o presidente da Associação dos Municípios do Estado do Ceará
(Aprece), Francisco Nilson Alves Diniz, sobre a incidência de crimes de
improbidade administrativa nas prefeituras cearenses, mas o gestor não atendeu.
Improbidade
Existem três
grandes grupos de improbidades administrativas: aquelas que levam o servidor
público a enriquecer-se ilicitamente, aquelas que causam um prejuízo aos cofres
públicos e aquelas que, embora não gerem enriquecimento ou causem prejuízos aos
cofres públicos, atentam contra os princípios da boa administração pública.
Mas o que
justificam tantos casos de gestores processados por improbidade administrativa?
Para o promotor de Justiça Élder Ximenes Filho, coordenador do Centro de Apoio
Operacional da Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa
(CAODPP), três fatores contribuem para esse quadro: a educação ética do
brasileiro, de um modo geral; a complexidade da legislação e a má-formação dos
gestores em administração pública. Além, claro, de uma cultura de corrupção.
“Nós viemos de
uma tradição cartorial e burocrática herdada de Portugal, onde o público muitas
vezes se confunde com o privado. Além do mais, temos uma cultura de corrupção,
onde o cidadão só reconhece quando a corrupção é dos outros, mas suborna
agentes públicos, vende votos, estaciona em vaga privativa, comete fraudes.
Temos (no MPCE) um projeto de ‘Educação e Cidadania contra a Corrupção’,
voltado para crianças, pois, só assim, é possível acabar com essa cultura”,
sustenta Ximenes.
O também
promotor de Justiça Ricardo Rocha vai além em sua análise. “Independentemente
do processo criminal, a morosidade e burocracia no processamento dessas ações
acabam por provocar a prescrição desses atos, resultando em impunidade e
incentivo à prática dessas ações”.
As investigações
de improbidade administrativa e de crimes contra o patrimônio público começam
pelo MP, que possui dois núcleos com atuação nesses casos, a Procuradoria dos
Crimes contra a Administração Pública (Procap) e o Centro de Apoio Operacional
da Defesa do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa (CAODPP).
A partir de
consultas aos portais de transparência, são identificadas possíveis
irregularidades na gestão. Denúncias feitas pela população e reportagens dos
meios de comunicação também são consideradas pelo MP.
Concluída a
investigação e constatadas as irregularidades, o MP encaminha denúncia a uma
das Varas da Fazenda Pública ou Vara Cível. Cabe ao juiz aceitar, ou não, a
denúncia. Caso a aceite, o gestor passa à condição de réu em ação cível.
Grande parte das
ações por improbidade diz respeito a contratações irregulares de servidores. Em
outro processo, um juiz de um município localizado no Centro-Sul do Estado
decretou a indisponibilidade de bens do prefeito, no valor de R$ 240 mil, em
ação civil pública.
Conforme dados
fornecidos pela própria administração, em 2017 havia 656 temporários na folha
do município, passando a 926 em 2018 e a 1.394 em 2019.
Acompanhamento
Diante de tantos
casos de improbidade, acompanhar os processos é desafio. “Falta ‘perna’ ao MP.
A estrutura é muito aquém da necessário”, ressalta o promotor Ricardo
Rocha.
Ele lembra,
ainda, que os Tribunais não têm varas especializadas para julgar esse tipo de
ação, o que faz com que elas sejam misturadas a outros processos que tramitam
em cada vara da Fazenda Pública ou Cível. O procurador-geral de Justiça do
Estado, Plácido Rios, também foi procurado pela reportagem, mas não atendeu às
ligações até o fechamento desta matéria.
O desembargador
Durval Aires Filho, membro da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Ceará
(TJCE), reconhece que as ações de improbidade administrativa se misturam às
milhares de outras, mas não vê como possibilidade a criação de varas específicas
que deem celeridade aos julgamentos desse tipo de crime.
“Crimes contra o
colarinho branco não despertam interesses. Ademais vão alegar custos altos e,
com eles, a falta de fontes orçamentárias. Além disso, essas ações praticadas
por prefeitos não despertam interesses das Casas Legislativas, no sentido de
solicitar iniciativa ao Poder Judiciário, nem muito menos por parte daqueles
que têm a chave do cofre”, considera.
Fonte DN
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