Em troca de fechar contrato com o Ministério da Saúde, uma distribuidora de vacinas alegou que foi pedido pelo governo federal uma propina de US$ 1, cerca de R$ 5, por dose, conforme apuração do jornal Folha de S. Paulo.
Luiz Paulo Dominguetti Pereira, o qual diz ser representante da empresa Davati Medical Supply, contou em entrevista à Folha que o diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, cobrou a propina em um jantar no restaurante Vasto, no Brasília Shopping, região central da capital federal, no dia 25 de fevereiro.
O diretor mencionado por Luiz Paulo foi escolhido para o cargo pelo líder do governo Jair Bolsonaro (sem partido) na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Procurado pelo jornal, Dias não retornou as ligações.
O governo foi procurado para negociar com a Davati 400 milhões de doses da vacina Astrazeneca com uma proposta feita de US$ 3,5 por cada (depois disso passou a US$ 15,5).
“O caminho do que aconteceu nesses bastidores com o Roberto Dias foi uma coisa muito tenebrosa, muito asquerosa”, disse Dominguetti.
A negociação entre a empresa e o diretor de logística da pasta foi intermediada por Cristiano Alberto Hossri Carvalho, que se apresenta como procurador da empresa no Brasil e também aparece nas negociações com o ministério.
“Eu falei que nós tínhamos a vacina, que a empresa era uma empresa forte, a Davati. E aí ele falou: ‘Olha, para trabalhar dentro do ministério, tem que compor com o grupo’. E eu falei: ‘Mas como compor com o grupo? Que composição que seria essa?’”, contou.
“Aí ele me disse que não avançava dentro do ministério se a gente não composse com o grupo, que existe um grupo que só trabalhava dentro do ministério, se a gente conseguisse algo a mais tinha que majorar o valor da vacina, que a vacina teria que ter um valor diferente do que a proposta que a gente estava propondo”, afirmou à Folha o representante da empresa.
O representante ainda acrescenta: ”A eu falei que não tinha como, não fazia, mesmo porque a vacina vinha lá de fora e que eles não faziam, não operavam daquela forma. Ele me disse: ‘Pensa direitinho, se você quiser vender vacina no ministério tem que ser dessa forma”.
Questionado sobre os moldes do negócio, Dominguetti respondeu: "Acrescentar 1 dólar”, disse sobre a ‘forma’ para a negociação ocorrer. “E, olha, foi uma coisa estranha porque não estava só eu, estavam ele [Dias] e mais dois. Era um militar do Exército e um empresário lá de Brasília”, ressaltou Dominguetti.
Encontro com diretor do Ministério
Dominguetti foi taxativo ao descrever que seu encontro foi exatamente com o diretor de logística do Ministério da Saúde, Roberto Dias.
“Claro, tenho certeza. Se pegar a telemetria do meu celular, as câmeras do shopping, do restaurante, qualquer coisa, vai ver que eu estava lá com ele e era ele mesmo”, frisou
“Ele [Dias] ainda pegou uma taça de chope e falou: ‘Vamos aos negócios’. Desse jeito. Aí eu olhei aquilo, era surreal, né, o que estava acontecendo.” “Eu estive no ministério, com Élcio [Franco Filho, exsecretário-executivo do ministério], com o Roberto, ofertando uma oferta legítima de vacinas, não comprou porque não quis. Eles validaram que a vacina estava disponível”, completou.
O referido jantar citado por Dominguetti teria ocorrido no dia 25 de fevereiro na véspera de uma agenda oficial com Roberto Dias no Ministério da Saúde. Nesta data, o Brasil já tinha alcançado o triste número de 250 mil mortos pela Covid-19.
“Fui levado com a proposta para o ministério e chegando lá, faltando um dia antes de eu vir embora, recebi o contato de que o Roberto Dias tinha interesse em conversar comigo sobre aquisição de vacinas”, disse. “Quando foi umas 17h, 18h [do dia 25], meu telefone tocou. Me surpreendi que a gente ia jantar. Fui surpreendido com a ligação de que iríamos encontrar no Vasto, no shopping. Cheguei lá, foi onde conheci pessoalmente o Roberto Dias”, afirmou.
Pedido de propina
De acordo com Dominguetti, o pedido de propina feito por Roberto Dias foi recusado por ele. “Aí eu falei que não fazia, que não tinha como, que a vacina teria que ser daquela forma mesmo, pelo preço que estava sendo ofertado, que era aquele e que a gente não fazia, que não tinha como.
Aí ele falou que era para pensar direitinho e que ia colocar meu nome na agenda do ministério, que naquela noite que eu pensasse e que no outro dia iria me chamar”. Dominguetti continuou então o relato daqueles dois dias. “Aí eu cheguei no ministério para encontrar com ele [Dias], ele me pediu as documentações.
Eu disse para ele que teriam que colocar uma proposta de compra do ministério para enviar as documentações, as certificações da vacina, mas que algumas documentações da vacina eu conseguiria adiantar”, afirmou ao jornal.
Negociação
Com as dificuldades para fechar o acordo, Luiz Paulo Dominguetti revelou que Dias alegava a existência de um grupo no Ministério, o qual ele deveria agradar. “Tinha um grupo, que tinha que atender a um grupo, que esse grupo operava dentro do ministério, e que se não agradasse esse grupo a gente não conseguiria vender”, disse Dominguetti sobre fala do diretor de logística da Saúde. Ao ser perguntado sobre que “grupo” seria o citado por Dias, o representante respondeu: “Não sei.
Não sei quem que eram os personagens. Quando ele começou com essa conversa, eu já não dei mais seguimento porque eu já sabia que o trem não era bom”.
Fonte: IstoÉ
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