O prazo estabelecido pelo juiz é crucial para que a Prefeitura de Tarrafas tome as medidas necessárias a fim de assegurar que o transporte escolar seja prestado de forma adequada e segura para os estudantes locais. Caso a determinação não seja cumprida dentro do prazo estipulado, a Prefeitura estará sujeita a uma multa diária no valor de R$ 500,00, conforme estipulado na decisão judicial.
LEIA A DECISÃO.
DECISÃO
Processo nº 3000290-93.2023.8.06.0040
AUTOR: PROCURADORIA GERAL DE JUSTICA
REU: MUNICIPIO DE TARRAFAS
Tratam os autos de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado do
Ceará em face do Município de Tarrafas/CE, ambos já qualificados, objetivando liminarmente a
regularização da prestação de serviço de transporte escolar no âmbito municipal.
A inicial narra a existência de irregularidades no serviço de transporte escolar no âmbito do Município de
Tarrafas/CE. Relata que no ano de 2013 o ente municipal celebrou Termo de Ajustamento de Conduta
perante o Ministério Público Federal, no qual assumiu o compromisso de cumprir determinadas obrigações,
incluindo a adequação dos veículos utilizados às normas Código de Trânsito Brasileiro e a habilitação
específica dos motoristas contratados.
Contudo, mesmo após uma década da assinatura do referido termo e após a expedição de Recomendações
pelo próprio Ministério Público Estadual, o ente municipal não logrou cumprir as obrigações firmadas,
conforme constatado por inspeções realizadas pela autarquia de trânsito, desde o ano de 2018.
Diante dessa situação, o Ministério Público requer a concessão da antecipação de tutela para cumprimento
da obrigação de fazer, com o objetivo de compelir o Município de Tarrafas/CE a adequar os veículos
utilizados no transporte escolar municipal de acordo com as exigências previstas no Código de Trânsito
Brasileiro.
Alega que a medida pleiteada visa garantir a segurança e a regularidade do transporte escolar, protegendo a
integridade física e a vida dos estudantes envolvidos e resguardando o cumprimento dos compromissos
assumidos perante o Órgão Ministerial.
Juntou aos autos os documentos de ID 59489833/ 59489847.
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Intimado para apresentar manifestação, o ente público requerido deixou transcorrer in albis o prazo
estipulado.
Após, vieram-me os autos conclusos.
É o relatório. Decido.
Passo a analisar o pedido de antecipação de tutela suscitada pelo requerente na inicial.
O artigo 300 do CPC/15 exige a presença da probabilidade do direito (fumus boni iuris) e do perigo de dano
(periculum in mora), e desde que não haja perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão (§ 2º):
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que
evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil
do processo.
De acordo com mencionado dispositivo, o juiz, ao analisar o caso em cognição sumária, deve identificar nos
autos elementos que indiquem uma probabilidade do direito reivindicado, com base nos fatos e documentos
apresentados, além de considerar o perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo. A concessão da
tutela provisória, portanto, é embasada em uma avaliação de probabilidade, ou seja, não há certeza absoluta
da existência do direito da parte, mas sim uma aparência de que esse direito possa existir.
A doutrina nacional assim afirma:
Como a norma prevê apenas a cognição sumária, como condição para que o juiz
conceda a antecipação, o juízo de probabilidade da afirmação feita pelo autor deve
ser exigido em grau compatível com os direitos colocados em jogo” (Código de
Processo Civil Comentado. Autores: Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade
Nery. 10ª edição. Editora: RT. São Paulo. Fl. 524).
A Constituição Federal de 1988 assegura o direito à educação, o qual vai além da construção de escolas e da
existência de professores em sala de aula, mas passa também por outros aspectos que permitam a efetivação
desta garantia constitucional, a exemplo do transporte escolar, fardamento, merenda, entre outras situações.
O art. 208, inciso, inciso VII, da CRFB, preceitua:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas
suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
Por sua vez, a Lei n.º 9.394/1996 (estabelece as diretrizes e bases da educação nacional), em seu art. 11
imputa aos Municípios a obrigação de efetivar o transporte escolar no âmbito municipal:
Art. 11. Os Municípios incumbir-se-ão de:
VI - assumir o transporte escolar dos alunos da rede municipal.
Impende mencionar não ser crível o ente federativo garantir um direito violando outros. O fato do transporte
escolar estar sendo realizado, com o efetivo deslocamento dos alunos à rede escolar, não exime o Município
de Tarrafas/CE de assegurar um transporte seguro, mediante cumprimento de todas as exigências legais e
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cumprimento de protocolos administrativos.
A bem da verdade, é o mínimo que se espera do Poder Público. Que cumpra as leis em qualquer situação e,
mais ainda, quando da sua conduta puder gerar risco a terceiros.
In casu, resta evidente pela documentação acostada que há anos o Município demandado vem permitindo
que o transporte escolar aconteça em veículos não autorizados para tal intento, bem como conduzidos por
motorista que não satisfazem os requisitos legais para a atividade.
Na espécie, encontra-se presente o requisito da probabilidade do direito invocado, uma vez que os laudos de
vistoria do Detran/CE, juntados aos autos em ID 59489837/ 59489847, realizados nos anos de 2018, 2021,
2022 e 2023 demonstram reiteradamente a existência de flagrantes irregularidades nos veículos
vistoriados e reprovados, somado à ausência de habilitação adequada por parte dos condutores, com
base nos artigos 136 e 138 do Código de Trânsito Brasileiro, bem como da Resolução nº 508/2014 do
CONTRAN, demonstrando a manifesta omissão do Município em prestar um transporte escolar seguro e
de qualidade a população do município de Tarrafas/CE.
No que tange ao perigo de dano percebe-se que a falta de condições adequadas para o transporte escolar gera
um significativo risco para as crianças usuárias, uma vez que os veículos transportam crianças em zonas
rurais e assentamentos locais, passando por estradas em precárias condições de transporte, exsurgindo a
necessidade de que estejam totalmente adequados ao fim para o qual foram destinados, qual seja, o
transporte escolar.
Interessante destacar que este é o entendimento empossado pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do
Ceará, in verbis:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE ESCOLAR. DIREITO FUNDAMENTAL À
EDUCAÇÃO. LAUDOS DO DETRAN E INQUÉRITOS QUE DENUNCIAVAM
AS CONDIÇÕES DOS VEÍCULOS E A FALTA DE ESPECIALIZAÇÃO DOS
MOTORISTAS. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. SENTENÇA
MANTIDA. 1. Trata-se de recurso de apelação interposto pelo Município de
Quiterianópolis em face de sentença (págs.731/733) prolatada pelo douto Juízo da
Vara Única da Comarca de Quiterianópololis, nos autos de Ação Civil Pública C/C
pedido de liminar, manejada pelo Ministério Público do Estado do Ceará, que julgou
procedentes os pedidos exordiais. 2. O bojo da demanda, ora em apreço, gira em
torno de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público Estadual, com o fito de
que o Município demandado, garanta o acesso ao ensino público às crianças e
adolescentes de Quiterianópolis, compelindo-se o Requerido a efetuar o transporte
escolar seguro, eficiente, integral e contínuo, com ônibus em condições de uso e
estradas transitáveis, garantindo-lhes uma existência digna, conforme determinação
constitucional e da legislação de piso ( Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei de
Diretrizes e Bases da Educação, Lei do Plano Nacional de Educação, dentre outros).
E ainda, promova os consertos/adequações necessários dos veículos próprios, bem
como submeter os motoristas que ainda não tenham curso de especialização em
transporte escolar ao referido curso e que revise os contratos firmados com os
prestadores de serviços de transporte escolar. 3. Nessa senda, a Constituição
Federal de 1988 tem como direito social basilar dos cidadãos o acesso à
educação, com a atribuição de dever do Estado de garantir o atendimento ao
educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas
suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e
assistência à saúde. 4. In casu, como observou o magistrado sentenciante, além dos
requisitos que o Código Brasileiro de Trânsito exige para os veículos que realizam o
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transporte coletivo de estudantes, precisamente em seus artigos 136 do CTB e 138 da
Resolução nº 82 do CONTRAN. Ainda em desacordo às normas de segurança,
notadamente da Resolução nº 82 do CONTRAN em seu art. 136, a inspeção
realizada pelo DETRAN, a pedido do MP (págs. 585/701), verificou que diversos
dos veículos utilizados para o serviço não dispunham do número necessário de cintos
de segurança, dos equipamentos exigidos (lanternas e equipamento registrador de
velocidade) e/ou da pintura identificadora de transporte escolar. 5. Ainda que
inegável seja a existência da discricionariedade quanto à execução do orçamento
face a otimização de atos e resultados sociais, o juízo de conveniência e
oportunidade, que compõe a discricionariedade administrativa, não afasta a
necessidade de submissão das decisões realizadas pelo agente público ao princípio
da legalidade e ao atendimento do interesse público, autorizando a interferência do
Poder Judiciário para garantir a eficiente implementação de um direito fundamental.
6. Apelação Cível conhecida e desprovida. Sentença mantida. ACÓRDÃO: Vistos,
relatados e discutidos estes autos, acorda a 2ª Câmara Direito Público do Tribunal de
Justiça do Estado do Ceará, em por unanimidade dos votos, conhecer da Apelação
Cível, mas para lhe negar provimento, nos termos do voto da Relatora. Fortaleza, 13
de abril de 2022. DESEMBARGADORA MARIA IRANEIDE MOURA SILVA
Presidente do Órgão Julgador e Relatora (TJ-CE - AC: XXXXX20178060150
Quiterianopolis, Relator: MARIA IRANEIDE MOURA SILVA, Data de
Julgamento: 13/04/2022, 2ª Câmara Direito Público, Data de Publicação:
13/04/2022)
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.
REMESSA E APELAÇÃO CÍVEL. TRANSPORTE ESCOLAR. DIREITO
FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO. LAUDOS DO DETRAN E INQUÉRITOS
QUE DENUNCIAVAM AS CONDIÇÕES DOS VEÍCULOS E A FALTA DE
ESPECIALIZAÇÃO DOS MOTORISTAS. REMESSA E APELAÇÃO
CONHECIDAS E IMPROVIDAS. SENTENÇA MANTIDA. I. O bojo da demanda,
ora em apreço, gira em torno de Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público
Estadual, com o fito de que o Município demandado promova os
consertos/adequações necessários dos veículos próprios, bem como submeta os
motoristas que ainda não tenham curso de especialização em transporte escolar ao
referido curso e que revise os contratos firmados com os prestadores de serviços de
transporte escolar. II. Nessa senda, a Constituição Federal de 1988 tem como
direito social basilar dos cidadãos o acesso à educação, com a atribuição de
dever do Estado de garantir o atendimento ao educando, em todas as etapas da
educação básica, por meio de programas suplementares de material didático
escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. III. In casu, como observou
o magistrado sentenciante, além dos requisitos que o Código Brasileiro de Trânsito
exige para os veículos que realizam o transporte coletivo de estudantes, precisamente
em seus artigos 136 e 137, há uma regulamentação do CONTRAN (Resoluções nº
14/1998 e 168/2004), estabelecendo as condições dos motoristas que transportam
estudantes, exigindo, para tanto, curso especializado. IV. Ainda que inegável seja a
existência da discricionariedade quanto à execução do orçamento face a otimização
de atos e resultados sociais, o juízo de conveniência e oportunidade, que compõe a
discricionariedade administrativa, não afasta a necessidade de submissão das
decisões realizadas pelo agente público ao princípio da legalidade e ao atendimento
do interesse público, autorizando a interferência do Poder Judiciário para garantir a
eficiente implementação de um direito fundamental. V. Remessa e Apelação Cível
conhecidas e improvidas. Sentença mantida. ACÓRDÃO: Vistos, relatados e
discutidos estes autos, acorda a 3ª Câmara Direito Público do Tribunal de Justiça do
Estado do Ceará, em, por unanimidade dos votos, conhecer da Remessa e da
Apelação Cível, mas para negar-lhes provimento, nos termos do voto do Relator.
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Fortaleza, 13 de dezembro de 2021 Presidente do Órgão Julgador
DESEMBARGADOR INACIO DE ALENCAR CORTEZ NETO Relator
(Apelação / Remessa Necessária - 0021618-73.2019.8.06.0169, Rel.
Desembargador(a) INACIO DE ALENCAR CORTEZ NETO, 3ª Câmara Direito
Público, data do julgamento: 13/12/2021, data da publicação: 13/12/2021)
Ante o exposto, com base nos argumentos apresentados e considerando o art. 300, §2º, do Código de
Processo Civil, em conjunto com o art. 12 da Lei 7.347/85, CONCEDO O PEDIDO DE TUTELA DE
URGÊNCIA para determinar que o Município de Tarrafas/CE regularize a situação legal dos veículos
utilizados para o transporte escolar dos estudantes do Município, bem como a situação legal dos condutores
desses veículos, atendendo ao previsto no artigo 136 e 138 do Código de Trânsito Brasileiro, bem como na
resolução nº 14/1998 do CONTRAN, no prazo máximo de 30 (trinta) dias após a intimação da presente
decisão, após o qual deve submetê-los à vistoria pelo Detran/CE, juntando aos presentes autos comprovante
de aprovação da adequação. Advirto de que o descumprimento injustificado poderá gerar multa diária de R$
500,00 (quinhentos reais), sem prejuízo das demais consequências legais.
Intime-se o Município de Tarrafas/CE para cumprir a presente decisão. Cite-se para apresentar defesa no
prazo legal de 30 (trinta) dias.
Intime-se o Ministério Público.
Cumpra-se com urgência.
Assaré/CE, data da assinatura digital.
Klóvis Carício da Cruz Marques
Juiz Substituto Titular
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